Há algum tempo já vem ganhando força na mídia os
famosos sucos “detox”. Muitas pessoas pensam que é uma bebida que vai
“desintoxicar” seu organismo, fazer com que as “impurezas” advindas da comida
não saudável ingerida vão ser eliminadas com auxílio dessa bebida. Pelo
contrário, como já foi comentado em outro blog1, muitas plantas
utilizadas para confecção desses sucos possuem toxinas, como é o caso do couve.
E por que possuem toxinas? As plantas, ao longo de um processo evolutivo, foram
desenvolvendo características que as tornassem impalatáveis. Mas para que isso?
Muitos animais são herbívoros, ou seja, se alimentam de plantas. Dessa forma,
elas precisam desenvolver características que impeçam esses animais de se
alimentarem delas. Uma das formas é o desenvolvimento de toxinas. Por que você
não come uma banana verde ou um tomate verde? Provavelmente porque o gosto é
ruim? Esse gosto ruim é um sinal de alerta: “tenho gosto ruim, não me coma, sou
cheia de toxinas.” Em verdade, alguns frutos são tóxicos assim quando “verdes”,
pois suas sementes ainda não estão bem desenvolvidas. Dessa forma, é necessário
um amadurecimento para que a semente esteja pronta para dispersar e germinar em
algum local apropriado. Então quando o fruto amadurece torna-se livre das
toxinas, sendo então palatável.
Mas e por que o suco detox é tão disseminado,
ganhando muitos adeptos, sendo apoiado inclusive por profissionais da saúde?
Provavelmente isso se deve ao desconhecimento. Já ouviram falar na frase “Só o
conhecimento nos liberta”? Pois então, vamos tentar nos libertar do pseudoconhecimento,
conhecimento falso, ou como queiram, que não é verdadeiro, e só está aí para
iludir as pessoas e fazer com que as mesmas muitas vezes até gastem R$20,00 em
um litro de suco detox pensando que irão eliminar as toxinas de seus corpos.
Temos que admitir uma coisa primeiramente: apesar do
suco detox não desintoxicar, ele pode ser rico em nutrientes. Sim! Imagine um
suco feito com limão, maçã, couve e gengibre. Vamos considerar o limão: possui
baixa quantidade de calorias, é rico em fibras alimentares, possui substâncias
consideradas antioxidantes (que sequestra radicais livres), vitamina A, B6, D,
B12, C (essa em grande quantidade), além de ferro, cálcio e magnésio. Logo, em
apenas um dos ingredientes do dito suco detox, podemos perceber que este pode
ser muito benéfico para nossa saúde, pois é cheio de nutrientes.
No entanto, partir do princípio de que o suco faz
bem em relação à quantidade de nutrientes que possui, para afirmar que sim,
podemos comer muito no domingo (costela, linguicinha, maionese caseira,
batata-frita, sorvete) pois na segunda-feira iremos beber nosso mágico suco
detox e tudo se resolve, não é um tanto precipitado de mais? Não é fruto de
falta de conhecimento? Sonho com o dia em que poderemos confiar em
profissionais da saúde alimentar, como nutricionistas. Recentemente vi um caso
de uma pessoa que estava fazendo uma dieta dita detox, recomendada por sua
nutricionista, com o intuito de perder peso e ... desintoxicar. Aí perguntei
quais seriam essas toxinas que ela estava tentando eliminar com a dieta. A
resposta foi: “Ah, as toxinas são: falta de atividade física, carne vermelha,
...”. Pffffff! What? Falta
de atividade física é uma toxina? Carne vermelha trata-se de um emaranhado de
toxinas? Poxa, sem carne vermelha provavelmente não estaríamos aqui, com os
cérebros tão bem desenvolvidos e com milhares de conexões sinápticas entre os
milhares de neurônios existentes. Está certo, há muitas controvérsias sobre
carnes brancas serem mais saudáveis do que carne vermelha, mas esse não é o
foco desse texto.
Mas vamos aos estudos. Um resumo clínico publicado
no periódico Endocrine Abstracts em 20122 relatou que um homem de 76
anos de idade foi ao hospital e verificaram que estava com pressão alta e
hipocalemia, ou seja, falta de potássio no organismo. Ele comentou que havia
bebido uma grande quantidade de suco verde, tanto que, com a admissão no
hospital, após um tempo, os sintomas tinham desaparecido. Os autores levantaram
a hipótese de que uma enzima estaria sendo inibida por uma planta utilizada no
suco verde, licorice, nativa do sul da Europa, Índia e algumas partes do
continente asiático. Essa enzima (11βHSD tipo 2) está ligada ao cortisol, onde
o paciente estaria com um excesso desse hormônio, desenvolvendo assim,
hipocalemia e hipertensão severas. E olha só, licorice, quando ingerida em
excesso, pode mesmo causar pressão alta, baixa concentração de potássio,
fraqueza, paralisia e ocasionalmente danos ao cérebro.3,4
Bem, não podemos levar em consideração apenas um
estudo, não é mesmo? Além do mais, os sintomas por beber suco verde em excesso
foi observado em apenas uma pessoa. Ceticismo pessoal, ceticismo! No entanto,
como todos sabem, o que comemos/bebemos em excesso pode sim fazer mal.
Portanto, por via das dúvidas, o melhor é não beber suco detox em demasia,
pensando que quanto mais beber, mais desintoxicada(o) você vai ficar. Fique
tranquilo(a), o seu fígado e seus rins, além de outros órgãos, já estão fazendo
(ou espera-se que estejam) um ótimo trabalho desintoxicando seu organismo (sugiro
a leitura dos links que encontram-se nas referências).
De acordo com Klein & Kiat (2014)5,
apesar da indústria dos detox estar se beneficiando cada vez mais, há
pouquíssimas evidências clínicas que suportam a adesão a dietas detox. Ainda
comentam que um número expressivo de estudos indicam que dietas detox auxiliam
o fígado a funcionar melhor, no entanto, são encontradas falhas nesses estudos,
como por exemplo, o baixo número amostral utilizado. Como eu falei antes:
Ceticismo pessoal! Como levar em consideração um estudo que utilizou poucas
pessoas? É no mínimo precipitado chegar à conclusão sobre um determinado
assunto baseando-se apenas em estudos com número amostral baixíssimo. E por que
tem que haver um número amostral alto? Pois bem, se utilizarmos poucas pessoas,
há o risco de falsos resultados, ou seja, corre-se o risco que que o resultado
seja simplesmente aleatório, pois há pouca variabilidade genética da população
amostrada. Variabilidade genética? Sempre é bom ter, em estudos que envolvam
pessoas, uma gama de organismos, com as mais diferentes características, inclusive
genéticas, onde as pessoas possam apresentar variação em relação às
características expressadas por seus genes.
Analisem uma dieta, a dieta do limão detox: baseia-se
em um programa de dez dias, onde TODAS as refeições são substituídas por um
suco que contém limão, água purificada, pimenta e um tipo de “xarope” (tree
syrup). Água marinha e um chá laxativo são permitidos. Promete: reduzir
toxinas, perda de peso, pele e cabelos impecáveis e unhas fortes5.
Agora me digam, vocês se arriscariam fazer uma dieta desse porte, por dez dias?
Eu não. Apesar de, confesso, ter feito algumas dietas malucas já, ao longo da
minha jornada em busca da perda de peso, já aprendi que o melhor caminho é por
reeducação alimentar e atividade física, nada de loucuras que colocam em risco
nossa saúde.
Um programa detox que foi clinicamente avaliado, foi
o realizado em bombeiros que trabalharam no dia 11 de setembro de 2001, expostos
a altos níveis de químicos, nos escombros do World Trade Center6. A
estes profissionais foi administrado suplementação por niaciana (vitamina B3),
indicado que usassem sauna para suarem e fizessem exercícios físicos. Além
disso, os participantes ingeriram óleos poli-insaturados para auxiliar na
excreção de toxinas, e várias vitaminas, minerais e eletrólitos. Os
profissionais estavam sofrendo com problemas de memórias devido à exposição a
Bifenilas Policloradas. Após o programa, os bombeiros foram bem em diversos
testes de memória, no entanto, foi utilizado um número baixíssimo de pessoas,
foram apenas 14. Logo, como já comentado, não tem como inferir que algo
realmente tem um efeito se o número amostral é tão baixo como este.
Nosso corpo desenvolveu muitos mecanismos de
eliminação de toxinas. Fígado, rins, pele, sistema gastrointestinal e pulmões,
todos têm um papel importante na excreção de substâncias indesejadas para nosso
organismo7. Alimentos, no entanto, não se mostraram realmente efetivos
no auxílio a desintoxicação. Há muitos estudos sobre regimes detox, porém, normalmente
o número amostral é muito baixo, não podendo-se, assim, inferir que os
resultados realmente expressam uma verdade. Alguns estudos podem ser conferidos
no artigo de revisão já citado nesse texto5.
Dietas muito restritivas, com as que se baseiam principalmente
em bebidas detox, causam muito estresse ao nosso organismo. Quando passamos
fome, há a tendência de defesa do nosso corpo em relação à perda de peso, pois
isso pode levar à baixa fecundidade e até morte8. Essa tendência se
deve simplesmente ao processo evolutivo que nossa espécie já passou, pois, há
muito tempo atrás, nossa espécie e ancestrais eram considerados
caçadores-coletores, onde muitas vezes provavelmente tinham que passar por
períodos com pouca disponibilidade de alimentos. Dessa forma, ao longo desse
processo, nosso organismo foi adquirindo adaptações que fizeram com que se
reservasse energia para situações em que esta fosse necessária. Gordura é uma
fonte de reserva energética, assim, não é tão simples eliminá-la durante dietas
restritivas, pois o organismo tende a armazená-la devido à falta de nutrientes
necessários à manutenção do corpo. Então, se você pensa que irá emagrecer (aqui
me refiro a eliminar gordura), estando em uma situação onde estará ingerindo
pouquíssimas calorias através de sucos detox, desculpe, mas é um engano seu. Seu
organismo não é bobo. Você pode até perder peso rapidamente, mas provavelmente
estará “desinchando”, perdendo água.
Finalmente, respondendo à pergunta do título, é
seguro beber suco verde? Penso que após este texto você sabe responder essa
pergunta. Eu respondo que sim e que não. Tudo depende da dose. Se você inserir
o suco verde em sua alimentação diária, COMPLEMENTANDO sua dieta, sim, ele é
saudável devido a todos os nutrientes que há em cada ingrediente. Entretanto,
se você usar uma grande quantidade por muito tempo, e se basear apenas nesse
suco para eliminar peso, sinto muito, mas você está apenas dando sustos no seu
organismo, prejudicando-o e correndo riscos de saúde.
A última mensagem que deixo é que, por favor, sejam
céticos. Não se deixem levar pelo que as pessoas falam, mesmo se for uma dita
autoridade. Não é porque uma nutricionista está falando que você pode beber
suco verde à vontade, que você vai acreditar nisso cegamente. Questione tudo.
Além disso, não compartilhe mentiras, tente verificar se o que você está
prestes a falar para outra pessoa é realmente verídico. Eu mesma algumas vezes ainda acredito em algumas coisas sem pesquisar antes, mas acontece. É um processo diário. Aos poucos vamos criando o costume de questionar, buscando sempre descobrir o que de fato está acontecendo ao nosso redor.
“Só
o conhecimento te liberta, a ignorância te escraviza”
Autor desconhecido
Sugestões
para leitura:
https://www.sciencebasedmedicine.org/the-one-thing-you-need-to-know-before-you-detox/
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2015/03/1601020-suco-detox-nao-serve-para-desintoxicar-nem-deve-substituir-comida.shtml
Referências
utilizadas:
1-http://cienciaeliberdade.blogspot.com.br/2015/06/a-farsa-dos-sucos-detox-e-os-riscos-da.html
2-Ohashi K et al. (2012) A case of subclinical Cushing’s
syndrome who developed pseudo-aldosteronism caused by green juice. Endocrine
Abstracts 29: P111.
3-http://www.webmd.com/vitamins-supplements/ingredientmono-881licorice.aspx activeingredientid=881&activeingredientname=licorice
4-Bernardi M et al. (1994) Effects of prolonged
ingestion of graded doses of licorice by healthy volunteers. Life Sciences 55:
863-872.
5-Klein AV & Kiat H (2014) Detox diets for toxin
elimination and weight management: a critical review of the evidence. Journal
of Human Nutrition and Dietetics 28: 675-686.
6-Kilburn
KH et al (1989) Neurobehavioral dysfunction in firemen exposed to polycholorinated
biphenyls (PCBs): possible improvement after detoxification. Archives of
Environmental Health 44: 345–350.
7-Anzenbacher P & Anzenbacherova
E (2001) Cytochromes P450 and metabolism of xenobiotics. Cellular and Molecular
Life Sciences 58: 737–747.
8-Sainsbury A & Zhang L
(2010) Role of the arcuate nucleus of the hypothalamus in regulation of body weight
during energy deficit. Molecular and Cellular Endocrinology 316: 109–119.
Obrigado por compartilhar esse texto. Eu tenho usado o suco verde como fonte de nutrientes, complementando a alimentação, e tem sido bem positivo. Tenho usado as receitas desse website e gostado bastante.
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